sexta-feira, 19 de abril de 2013

Zugota! Os argumentos sem propriedade.

    Revivendo novamente o blog, recomeço me redimindo com uma crônica/conto(já não faço a mínima ideia do que se trata) acho que esse foi o texto mais fofo que já escrevi. Se você já leu um conto do Nuno Ramos, isso aqui é mel com torrada.
 
 
Os Argumentos sem Propriedade
     Segunda-feira da semana de provas, a tensão caminha tranquila pelo campus. Terça, quarta e quinta vê-se o desespero dos graduandos na sua jornada em busca dos resumos de veteranos, calculadoras científicas e pen drives mais valiosos que ouro, pois são responsáveis em carregar trabalhos fantásticos. Às vezes é fácil achar alguns insanos que falam sozinhos pelos corredores; então explica-se que são ensaios para apresentações nervosas. Em algumas faculdades coleta-se e depena-se árvores e insetos para completar as coleções com metade do peso da nota final. Sexta, após as últimas avaliações, o mundo paranoico da graduação se torna numa espécie de sport club com jovens reanimados tocando violão, esquecendo-se de seu estado de morto-vivo. O Fim da semana de provas em qualquer faculdade competente é presságio para festas e empolgação.
     Sabe-se que a universidade é a morada do conhecimento. A principal função é servir de apartamento para famílias de argumentos, sejam os da classe C ou daqueles que vão ao trabalho de helicóptero. Os falaciosos podem até viver de favor por alguns meses, mas logo são flagrados e incondicionalmente são convidados a se retirarem. Nessa última sexta, uma professora russa de sociologia acidentalmente soltou um desses na sala de aula. Faltava-lhe a perna direita. Tadinho, excluído como todos os outros. São plenamente rejeitados pelos acadêmicos. Só de penetra conseguem entrar nas festas. No fim, nem na cabeça dos funcionários ou alunos mais burros eles conseguem alguma sopa para se sustentarem.
     Expulsado de sua terra natal, o argumento soltado pela professora errou pelos becos escuros,frios e cinzas da cidade. Como todos os outros deficientes argumentos sem propriedade, encontrou o único abrigo junto a um habitante de rua. Graças aos famigerados mendigos, esses argumentos não morrem de inanição e desapareceriam desse universo cruel das ideias, que agora são menos brilhantes por não terem acento. Enquanto se alimentam das esperanças daqueles que dormem com travesseiro de concreto, tais argumentos falidos sonham como seria a sensação em ser usado por grandes teóricos para a reformulação de uma ortografia inteira! Mudar o brilhantismo de uma palavra seria o auge de qualquer argumento falido sem propriedade.
     Eu estava caindo fora de uma festa a qual nem lembro o nome. Bebo pouco, mas a combinação do cansaço pós-balada, musica trance em volumes enlouquecedores e seduções de valquírias lindas, me fez perder parte de minha noção, mesmo estando fisiologicamente  sóbrio. Já era de manhã, fria e quieta num domingo vazio da Avenida Paulista. Alguns praticavam sua corrida matinal na via estranhamente incompleta. Um mendigo carregava latinhas num saco de plástico ao lado de um pombo esperto e um gari. Resolvi conversar com o sujeito das latinhas. O moço, muito bem agasalhado com marcas poderosas, imediatamente me mostrou seu rebanho de argumentos defeituosos. Gosto de colecionar esses argumentos. Comprei alguns. Um me chamou atenção, pois era justamente o mesmo que a professora russa havia dito em aula. Era pequeno, pesado e torto com alguns trocinhos que pareciam braços. Me olhava com muita melancolia ou algo do tipo. Mas que argumento era esse? Meus colegas e o povo são consideravam-no hediondo, histotóxico, hirsuto, hipócrita, herege e até mesmo hipster. Ele, sem propriedade alguma, mostrou-me seu R.G. mal tratado erguendo sua mão sem ossos:
"Só os monstros sobreviverão, pois preto é o novo amarelo."
Ele não tinha propriedade alguma, muito menos razão. O mendigo me cobrou um preço extorsivo por esse. Trouxe ele aqui em casa e agora quer desapropriar minha mente e se expressar livremente no meu notebook.

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